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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Direito Internacional, as Grandes Guerras e a dinâmica da criação de uma ciência que os compreende: as Relações Internacionais




  
As relações internacionais têm suas raízes com a evolução do homem e seu relacionamento na sociedade, assim como, a formação de seus respectivos valores morais, culturais, religiosos, políticos, econômicos. Tais interações sejam elas de comércio, religião ou até mesmo de guerra, representaram efetivamente uma evolução da maneira de como esses homens se relacionavam com o estrangeiro. No entanto, essas interações possuíam natureza meramente circunstancial, não dando margem ao desenvolvimento das Relações Internacionais de uma forma sistemática. Isso só veio a ocorrer com o crescimento das disputas entre os Estados, já que estes ganhavam maiores dimensões e importância na esfera global, o que gerou uma maior complexidade no estudo da política internacional, uma vez que os Estados se envolviam em sucessivos conflitos visando, teoricamente, à defesa dos interesses da sua nação. 
Interesses que levaram os Estados a travarem guerras que marcaram com sangue a história da humanidade. Destarte, os acontecimentos que se desdobravam no mundo tornavam imprevisível e inseguro o futuro da humanidade. A harmonia entre os Estados era rara, cada vez mais os recursos de poder cresciam e se tornavam eficazes armas de destruição – tais como tanques de guerra, aviões equipados com metralhadoras de última geração, bombas de destruição em massa e armas biológicas. De fato, as grandes potências européias se encontravam envolvidas em conflitos em pelo menos 3/4 do tempo, no decorrer de cinco séculos: a paz era rara, foram mais de 119 guerras só na Europa. Via-se nitidamente a necessidade da criação de uma ciência que compreendesse o que estava havendo com o mundo e indicasse soluções diligentes para fugir da nuvem sombria que se instituía naquele momento.
Hobbes já expusera em sua obra clássica “Leviatã” sobre a natureza egoísta do homem, da inexorável vontade de luta pelo poder e seu desejo de dominar os demais, além da “guerra de todos contra todos” em um estado de natureza, interpretado aqui como o sistema internacional anárquico aos quais os Estados interagem. Se caso não houvesse um estudo sistemático que tentasse solucionar o “mal-estar da civilização” daquela época a guerra generalizada eclodiria. De fato, foi o que ocorreu. A forte interdependência entre alguns países europeus fez de um conflito isolado e medíocre entre o império Austro-Húngaro e a Sérvia uma guerra irresponsável, que logo envolveu boa parte do mundo. Acontece que os países europeus começaram a fazer alianças políticas e militares desde o final do século XIX. Durante o conflito mundial estas alianças permaneceram. De um lado havia a Tríplice Aliança formada em 1882 por Itália, Império Austro-Húngaro e Alemanha. Do outro a Tríplice Entente, formada em 1907, com a participação de França, Rússia e Reino Unido. Dessa forma, se um desses países se envolvesse em algum conflito levaria com sigo todos os demais que eram signatários do acordo internacional que estabelecia a aliança. A Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) levou os analistas a repensarem a condição ao qual estava inserido o mundo moderno. Foi um conflito inédito na história da humanidade, uma ação implacável que fez mais de 15 milhões de vítimas fatais. Momento em que toda a ética na guerra havia sido reduzida a coisa alguma. Os soldados recebiam ordens para combater nas cidades, matando inocentes, estuprando mulheres, fazendo crianças como prisioneiros e as torturando. Sob as trincheiras, eles passavam dias ao lado de corpos mutilados por metralhadoras, carbonizados por granadas, matando tudo o que não vestisse a farda dos aliados. A guerra levou aos representantes das grandes potências a deliberarem a respeito de investimentos em universidades para a formação de profissionais que estudassem as relações internacionais com um caráter científico, através de análises históricas, de maneira a tentar prever o comportamento dos Estados, tido com único agente internacional, ou seja, o único que poderia atuar no cenário internacional, modificando-o e adaptando-o. Não tardou para que houvesse o reconhecimento desse ramo da ciência política como ciência propriamente dita.
Inicialmente unido a vertente liberal-idealista, as Relações Internacionais surgiram com o intuito de compreender o cenário internacional da época, tendo seu objeto de estudo a política internacional e as relações internacionais. Os teóricos liberais acreditavam que os ideais de livre-comércio, da democracia e do Direito Internacional, seriam suficientes para garantir a paz mundial. Com isso as RI surgem como símbolo de renovação e esperança para os povos; trazia na sua “bandeira” o ideal da cooperação e da paz, pregando princípios democráticos e de justiça. Junto a esse ideal, Woodrow Wilson, então presidente dos Estados Unidos, trouxe do “novo mundo” os 14 pontos para a paz, uma diretriz que garantiria que os Estados buscassem a cooperação e evitassem os conflitos internacionais e internos, dessa forma garantindo os valores máximos do Estado Liberal na esfera global, o da segurança jurídica e o da certeza jurídica internacional, uma vez que os Estados signatários estariam amarrados pelos laços do Direito Internacional. O décimo quarto ponto, mais importante, era aquele que propunha a criação da Liga das Nações, espécie de embrião da ONU, um organismo que garantiria a interdependência política entre os Estados e a eficiência da ordem internacional, respeitando o princípio da soberania Estatal, submetendo seus signatários às normas jurídicas internacionais, já que possuiria poder institucionalizado para tal, e continha legitimidade para impor sanções a países recalcitrantes. Sem essa instituição, os pontos de Wilson não tinham validade: Com a Liga, os leviatãs iriam ser presos em jaulas fortificadas.
Os 14 pontos para a paz de Woodrow Wilson foram duramente criticados pelos “vitoriosos” da primeira guerra. Alguns chegaram a afirmar: “Deus nos trouxe os dez mandamentos, agora vêm os americanos com catorze!”. Destarte, foram julgados impróprios e substituídos pelo Tratado de Versalhes, que conduziu com “mãos de ferro” os “perdedores da guerra”. Wilson chegou a ganhar, em 1919, o Nobel da paz pelos seus esforços em aventurar-se a garantir a paz entre os Estados. Analistas modernos afirmam que os seus 14 pontos eram complexos demais para o entendimento da época, uma vez que o ideal democrático ainda não estava verdadeiramente instituído em todos os países da Europa, nem de África e muito menos da Ásia. Nesse contexto, As fortes imposições do Tratado de Versalhes à Alemanha, fez nascer neste país um sentimento de revanchismo e revolta entre a população. A indenização absurda enterrou de vez a economia alemã, já abalada pela guerra. As décadas de 1920 e 1930 foram marcadas por forte crise moral e econômica na Alemanha, inflação, desemprego, desvalorização do marco. Tais imposições aliado a ascensão de governos autoritários, a peleja por poder e o fracasso da Liga das Nações, fez com que o discurso nazista crescesse e seus ideais brotassem como uma semente no “terreno fértil” dos corações germânicos, o que levaria a Alemanha para outro conflito armado que fez mais de 78 milhões de mortos: A Segunda Grande Guerra (1939 – 1945).
A II Guerra Mundial ocorreu apenas 21 anos depois da primeira. Isso significa que um jovem que possuía 12 anos no início da primeira, e fosse sobrevivente desta, viveria mais vinte e um anos e com 37 estaria vivenciando novamente o período de terror, de catástrofes, tragédias, calamidades que conduziram a humanidade a um estado de selvageria, pelo menos no palco da guerra, e que foi enormemente pior que a primeira, uma vez que os recursos de poder eram infinitamente melhorados com ajuda da tecnologia, como a bomba atômica e os aviões caça. Momento em que os Direitos Humanos eram apenas “sombra e pó”. O ideal de fraternidade, que o acompanhou desde a revolução francesa, não era mais cabível àquela arena, os soldados eram obrigados a matar pessoas que nem sequer conheciam, chegavam a capturar milhares e leva-los para campos de concentração tenebrosos, que naquela ocasião eram sinônimos de torturas, experimentos hediondos e uma morte dolorosa. Na guerra não existia bem ou mau, vitoriosos ou perdedores, todos perdiam recursos financeiros e humanos, todos contribuíram para a aniquilação de valores essenciais ao ser humano. Se Hitler ordenou o genocídio de mais de seis milhões de Judeus, Harry Truman assinou o documento que permitiu que a bomba atômica devastasse Hiroshima e Nagasaki, acabando com a vida de milhares e destruindo a genética das gerações seguintes. Para os sobreviventes que vivenciaram esse dois períodos sombrios da história “o mundo estava prestes a desmoronar, tanto estrutural como humanamente”. Com isso a comunidade internacional desapegou-se da vertente idealista. Queriam algo que explicasse e descrevesse o mundo da maneira como ele é, e não como deveria ser. Foi ai que surgiu o segundo grande laço teórico que consolidou as Relações Internacionais como ciência: O Realismo.
O Realismo das relações internacionais é determinado pelas relações de poder. Os Realistas desdenham do Direito Internacional, consideram que o direito prevalece somente enquanto não ir de encontro com os interesses dos Estados soberanos, já que algumas potências dispõem de recursos para impor seus interesses aos demais. Para eles, o direito e a ordem internacional decorrem diretamente da correlação de forças entre aqueles que detêm maior poder, dessa forma enxergando o direito como uma “tecnologia de dominação”.
A análise Realista, baseada na tese de Hobbes sobre o estado de natureza (sistema internacional anárquico), em que o homem (Estado) não é passível de cooperação, é sempre mau e cruel, solitário, desconfiado, egoísta e está sempre em busca da segurança, não explica o contexto de cooperação e conflitos existentes nas relações internacionais no mundo contemporâneo. Na obra The Great Illusion de Norman Angell, publicado em 1909, o autor revela ser impossível pensar na possibilidade de guerra no mundo. Em suas convicções, o capitalismo se institucionalizara de tal forma que a guerra seria uma demonstração de desvairada irracionalidade, uma vez que, “os grandes grupos econômicos não permitiriam a destruição de seu capital físico, espalhado pelos diferentes países da Europa, nem tampouco das redes comerciais de mercadorias e investimentos”. Norman Angell foi mais um visionário que expôs suas ideias no momento errado da história. As duas guerras eclodiram. E a verdadeira institucionalização da era do consumismo, e do capitalismo financeiro, só veio a ocorrer na segunda metade século XX.
Influenciados pelos acontecimentos após 1945, tais como: a redemocratização do “mundo”, o padrão-ouro de Bretton Woods, o primeiro choque do petróleo, o fim da guerra do Vietnã, as tensões comerciais entre Estados Unidos e Japão e o início da Guerra Fria; Robert Keohane e Josephy Nye expuseram nos anos 70 a necessidade da criação de um novo paradigma para entender e explicar os assuntos internacionais de uma maneira outra que não seja apenas no âmbito da segurança, como faziam os Realistas. Para eles, as questões econômicas, financeiras e sociais estavam em evidência e influenciavam cada vez mais o comportamento dos Estados. Os autores elaboraram, destarte, a tese da interdependência complexa, uma vez que a cooperação passava a ganhar mais importância na esfera global e tendia a sobrepujar as relações de poder; argumentando que “a economia internacional havia evoluído até um ponto em que o poder passa a ser exercido mediante o uso exclusivo de mecanismos financeiros e comerciais, sem haver a necessidade do uso ostensivo da força”. Surgia assim a vertente Neo-Liberal.
Essa maneira de entender o padrão internacional conseguiu explicar o porquê da guerra fria não ter ocorrido e ainda autenticou a tese de Angell sobre a “grande ilusão” de iniciar uma guerra no mundo capitalista, era simplesmente muito caro patrocinar um conflito armado entre potências. A afirmação de que os Estados não podiam ser vistos como únicos atores internacionais foi aplaudida pela comunidade internacional. Dessa forma, crescia a autoridade que tinham as Organizações não governamentais, principalmente as multinacionais e as instâncias do aparato burocrático estatal na esfera global, além de blocos econômicos como a União Europeia e o MERCOSUL. O Neo-Liberalismo, enfim, surge como a grande corrente que põe em evidência o fenômeno da globalização como fator fundamental para explicar a dinâmica das RI,  e que corrobora definitivamente a afirmação de Angell (em The Great Illusion) de que “o Direito Internacional se desenvolve em reação à necessidade de uma estrutura capaz de regulamentar níveis altos de interdependência”, o que expõe a forte influência que tem a globalização sobre o Direito Internacional vigente.



Y. Tenno

João Pessoa, 13 de agosto de 2010.

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